domingo, 7 de setembro de 2008

Pão e tango

A massa intelectual hermana está fula da vida com as escolhas de seu governo. Tudo porque a casa rosada decidiu por celebridades como Maradona e Che Guevara para representar a Argentina na feira literária da Alemanha, deixando os ícones Julio Cortázar e Jorge Luís Borges de fora, como meros estepes do show. Um absurdo? De jeito nenhum! Acalmem-se literatos, vocês, que estão a defender mestres do 1900 tão fora de moda, não pegaram o espírito do séc XXI: é tudo uma simples questão de showbiz.

O governo foi sábio e não perdeu tempo em firmar seu brasão com substância. Para os olhos lá fora apostou logo em logotipos. Ora, temos Argentina estampada nas camisetas por todo o mundo, não percam a ternura, jamás! Vende como água, vamos vender como literatura também. Idolatria de mercado, existe melhor negócio? Afinal, o que importa se Cortázar reinventou a narrativa da desconstrução, se dieguito escreveu sobre reabilitação?

Ao povo o que o povo quer. E quem quiser conhecer Borges e Cortázar vai precisar de um empurrãozinho maior para sair do pão e circo tão ofertado, e que não vigora somente nos nossos vizinhos. Assim como aqui nas terras tupiniquins, onde colocam Bruna Surfistinha nos estands e Machado de Assis nas prateleiras de baixo, é mais do que óbvio que, no país que tem o rei portenho do futebol, ninguém vai querer saber de jogar amarelinha.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Mim

Eu vim daquela chuva ridícula que você não parava de olhar pela janela, e permaneço.

Estou aqui dentro, rindo dos seus coitos histéricos de fim de tarde.

Suor gelado, corpo trêmulo. Você não tem voz, eu te transbordo, isso me excita, ah se você soubesse. Mas eu não vou contar, eu não vou embora. Você tem suas últimas chances para sempre.

Faz-me dormir, fecha a janela, me descobre e me desperta.

Eu, vaso com cheiro de barro, e flores, e mofo, e fim.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Sobre a trapaça do lúdico

Quando criança, eu escrevia ao contrário. Defendia a idéia de que, se as palavras fossem do aspiral do caderno para “fora” fugiriam de mim, e a história estaria em branco assim que eu virasse as costas. Eu insisti nisso por tempos. Sorria, vitoriosa, quando via as minhas letras ali, soldadinhos magrelos batalhando sem sucesso contra o invencível aspiral de ferro, que iria guardá-las para sempre. Não entendia porque ninguém abraçava a minha causa. Quantas letras magras aqueles adultos perdiam, quantas histórias se calavam! Eu era meu primeiro paradoxo, simples e ilegível.

Hoje decidi recriar o tempo. Caneta em mãos, papel limpo e um belo aspiral como aliado. Rabisquei as primeiras linhas e voltei os olhos para reler o início da história eterna. E veio aquela tristeza das mais amargas: a saudade de ser como se era. Minhas letras agora, apesar de ainda magricelas, me venceram fácil. Percebi que, de cada duas palavras, uma estava lá, virada para o estúpido lado certo, me sorrindo com uma ironia insuportável que eu, quando menor - e mais sábia -, nunca teria sonhado em criar.

A ponto de rasgar aquele rascunho de história, com as letras que em minutos correriam de mim, encontrei o possível desfecho. É que ser simples, como já fomos um dia, é tão difícil que virou absurdo. Preferem – e muito – fugir com as letras e omitir as histórias que de fato merecem uma prisão móvel, de carne e vida forte, que lá virem eternas.

Ignoramos quem ainda desenha sóis com sorrisos na janela do carro. Condenamos quem, depois de “crescidinho” ainda teima em ser ilegível, desordenado, imaculado. Pena que não me perguntam mais o que quero ser quando crescer. Perguntem, por favor, porque agora eu tenho resposta

Eu quero ser um desastre.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

O abuso do absurdo

Sobre a montagem teatral de Primeiro Amor, de Samuel Beckett

Alojei-me no escuro para assistir a aquela verborragia gritada. Tomei o mesmo fôlego do ator, que surgiu do fundo da sala e dirigiu-se para o banquinho de madeira em cima do palco, único cenário na noite. A partir daí luzes fracas iniciaram o monólogo, e respirar não fazia parte daquela história. Deprimente, escatológica, lírica, divertida. Mais ou menos uma história de amor. Poderia ser de vários e de muitos, mas era a primeira, e, por uma hora e dez minutos, não pertencia a ninguém.

Marat Descartes dá voz ao texto de Samuel Beckett, utilizando-se de uma simplicidade que transborda as desventuras existenciais de seu personagem. Os cenários são lembranças, e a narração não trai em momento algum o texto original, começando em um cemitério e tendo fim com um parto, com direito a urros que molharam meu rosto de cuspe. Está ali, na sua cara, um quase não-personagem, espectador daquela realidade que ele não sabe se existe e que conta para talvez acreditar que aconteceu.

Reclusa no escuro, uma voz sem nome consegue contar sua história. Com doses deliciosas de sarcasmo, a platéia engole o vômito silábico que narra o abandono da sociedade feito por aquele homem, e seu encontro com um inclassificável tipo de amor. É aí que o brilhantismo do autor do texto encontra a genialidade dessa montagem teatral: o amor que não se classifica, narrado para os olhares do público, transforma-se em todos os amores, com todas as delícias e desilusões que se possa classificar e, principalmente, repleto das verdades nunca ditas. “O amor nos torna maus, isso é fato”, é o que eu ouvi do banco, sorrindo.

Não me cabe aqui tecer críticas, estas elogiosas ou não. Isso tudo não foi sobre uma peça que eu vi. Isso tudo foi sobre uma peça que eu vi em um maio escuro e gelado, com mais quinze desconhecidos-coadjuvantes da minha noite e com uma amizade de verdade. Foi sobre querer contar, sem colocar aquela bela descontrução em ordem. Ainda se escolhe o abuso e o absurdo. Em Primeiro Amor ainda se contam histórias, ainda há uma espécie de personagem. No início. Depois, só bocados e vozes, interrupções do silêncio.

Primeiro Amor

Texto: Samuel Beckett

Interpretação Marat Descartes (Prêmio Shell de Melhor Ator)

Direção: Georgette Fadel

Quinta - feira às 21h.

Temporada: 15 de maio a 26 de junho.

Teatro Coletivo Fábrica

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Siempre un poco más de lo que debería

Perguntaram-me por que eu nunca escrevo sobre o amor. Resolvi me perguntar também. Para quem sente prazer com retóricas nulas, eis aqui meu kama sutra.

Eu não escrevo por medo de abobear, porque desencanta. É aquela menina no bistrô lilás que amontoa açúcar em cima da mesa e depois se inclina sobre a criação e cospe, ouvindo o derreter da sua própria neve. O produto torna-se líquido e inútil, mistura de tentação com repulsa, doce e destruído. Não escrevo porque esta letra é grossa demais, e porque todas as outras hão de ser também. Ausento-me porque não encontro aquele diâmetro perfeito que se encaixe na extensão intangível de dois silêncios, de dois perfumes, de quem não marca encontros e não precisa nunca saber onde está.

Não escrevo porque não gosto de escrever sobre o que eu conheço bem. O realismo não tem gosto, e meu gosto precisa ser forte. Não escrevo também porque não acredito na palavra. Dizê-la é patético, eu a escondo. E esqueço. Acontece de esse tal amor irromper no meio de um vento no cabelo, ou ao assistir aquela pomba que faz o número 86 com as patinhas no concreto molhado das dezoito horas. Aí eu fico sem saber o que fazer com ele. Rio e esqueço novamente. Digo então que já amei ao extremo.

segunda-feira, 31 de março de 2008

O que mais não flui

São passos encharcados de acaso, e a dor nas costas de curvar-se para dentro. Antes Abraçava os joelhos, tentava caber dentro de si. Agora ela só transborda, transpassa, só passa. Acende o cigarro contra a garoa e cobre os olhos com o cabelo. Ela pára na banca de jornal para arrumar sua confusão, o caos que ela finge. Do perfume café e suor, do mover o andar duro, mosaico móvel de ossos, aquele que inspira papel e tinta. E para os outros ao redor ela não existe, mas só porque para ela não existe mais ninguém. É seu próprio filme, em preto e branco e câmera lenta. Aperta o cigarro, lê o Harold Tribune e brinca de nouvelle vague. Ela não é Patricia Franchini, ela disfarça, ela não fala, ela só passa.

Enquanto o mundo pára.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Da série bipolar do sarcasmo

Em dias de água na avenida mais charmosa e desnivelada da paulicéia, ter humor é pedir muito. Agora, ouvir discurso repetido sem guarda-chuva, aí sim é pedir demais.

As 22 coisas que eu diria ao Greenpeace:

- Odeio o tal meio ambiente.

- Nem sei o que é esse negócio de catalisador no meu furgão a diesel.

- Quando vejo uma baleia a única coisa que penso é: sushi.

- Quebro minhas pilhas no meio, jogo na privada e dou descarga.

- Reciclagem é nome de massagem tailandesa.

- Protocolo de kyoto é marca de miojo.

- Taco gato molhado no fio

- Amarro cachorro no caminhão de lixo.

- Até meu iguana usa peles.

- 3 banhos por dia, de no mínimo 2 horas, com água potável.

- Importo carvão no mercado negro da China e vendo com a marca “aquecendo o globo”.

- Em casa até guardanapo é transgênico.

- Uso pneu para fogueira de arraiá.

- Uso lenha para churrasco de coelho.

- Pão com fue-grais no café da manhã, de fabricação artesanal.

- Meu perfume vem no frasco de CFC.

- Meu papagaio canta o hino dos EUA.

- Minha arara-azul é viciada em anfetaminas.

- Vegetal hidropônico é cultivado no plutônio.

- Pesca ecológica é com arpão de marfim.

- Beleza natural é não usar silicone.

- Seqüestrem o carbono à vontade, ele não é meu parente mesmo.

Nota: sou vegetariana, defendo a causa e o planeta (e uso guarda chuva).Quem quiser que xingue meu heterônimo mal-humorado.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Pelo diminutivo igualitário

Tubérculos de todo o submundo, uni-vos!

Depois de tanto pensar sobre manchetes inéditas diárias, sobre a sofrível injustiça do mundo capitalista contada pelos bisnetos do tio Sam, sobre os protestos-de-não-lembro-o-quê, disputinhas entre “a mulher” e “o negro” no país dos amigos livres lá no lado bom do mundo e sobre invasão até da casa da mãe Joana, resolvi colocar a cabeça no ritmo do país: entrei em recesso permanente e tentei focar a cachola em outras menores abobrinhas. Piorou, tomei as dores foi do leguminócio. Por que não pensamos nunca nas abobrinhas?

Veja bem, até vale uma reflexão, a começar pela singularidade do nobre objeto. Ninguém nasceu chamando-se Serginho, Paulinho, sendo queridinho e despertando um diminutivo fofo logo na primeira evocação. Pois é, moçada, tivemos que dizer muitos “tudo bem”, “não me importo”, ou até mesmo “quê isso, quando você puder você me paga” em nome dessa agradabilidade que no fim – digo por fim qualquer término de dia em que sua gentileza foi confundida com estupidez- vale mesmo é para manter um apelido meigo na agenda do celular.A nossa amiga verde, por sua vez, representa tudo o que não presta sem fazer o mínimo esforço para merecer o seu mimo silábico. Até mesmo porque – e aí vai a maior injustiça do mundo com raízes - a palavra não existe de outra forma. Faz-se dessa forma inexistente o carinho com as abóboras! Indigno-me! Tentei chamar a atenção para “aboborinhas” em uma rodinha em que falavam sobre o Big Brother. Chamaram-me de idiota. Dei um sorrisinho e disse mais um “tudo bem”, fazer o quê.

Não levo jeito para justiceira. Ficarei eu usando meus neologismos sempre que puder, e ouvindo as mesmas repetições cansadas, com os dentes nos lábios e sem nenhum fofismo na expressão. Felizes são os tubérculos. Nascem batatinhas com as ramas espalhadas pelo chão, mas crescem e terminam na barganha dos vencedores, já dizia Machadão.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

With Grace

É tanto fôlego que cansa. Vem aquela vontade de bastar-se. E tudo o que se quer é parar com o café, é sorrir para a câmera, é dormir à noite, é não dançar em círculos, é fingir que não se finge, at all. E assistir ao próximo eterno mega sucesso esquecível de Spilberg.

domingo, 20 de janeiro de 2008

O Plot do acaso

Tenho um problema com as chaves. Isso não renderia um texto ou sequer uma segunda pontuação em qualquer brochura de raciocínio ocupado por aí, mas faço pelo minimalismo como predicado da questão.

Começa com o procurá-las na bolsa e com o movimento neurótico das mãos no escuro. Os dedos tateiam todas aquelas coisas inúteis que carrego simplesmente por achar graça em ter um punhado de objetos que não fazem sentido em conjunto e que, separados, teriam um propósito chato, tal como as demais coisas que já tateei no claro. O som daquilo tem seu próprio enredo, aquela minha parte agora um inseto gigante, com cinco patas, que se enrosca e se debate no breu portátil, de vinil branco e poliéster, e uma bela estampa de cinema na frente.

E então que chega a cara do meu problema. Imagino-me encontrando o chaveiro, coisa que, eu sei, vai acontecer em poucos segundos. Mas o porquê de eu planejar esse encontro nos segundos antes eu nunca sei. O jeito que meus dedos vão tocar a ponta da chave maior, o dedão que irá encontrar-se primeiro com emaranhado de metal, tudo se projeta prazerosamente no cérebro, muito mais veloz do que meu membro que ainda é inseto e que ainda procura. E, quando a mão finalmente volta a ser mão, agarrando por acaso o chaveiro, eu o largo de volta no escuro. Eu começo denovo, só porque o encontro não ocorreu daquele jeito que a mente previu, naqueles segundos perdidos de antes.

Há dias que passo tempo demais para abrir a porta de casa, as chaves denunciaram meu gosto pelo acaso planejado. Mas admitamos, estou longe de ser única. Planejam-se vidas, perguntas espontâneas, respostas inesperadas. Planeja-se amor, planeja-se sexo casual, jeito de morrer. Eu planejo como encontrar minhas chaves, e isso já é meu problema. Não contenho o vício de dramatizar cada estupidez cotidiana, é patético, é fantástico.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sobre o inefável vazio da crônica (e nada mais)

Não se pertenciam mais. A mulher que hoje deu adeus ao mundo é aquela que um dia o trouxe a vida. Morreram junto com ela as verdades e desencantos de um destino feroz do qual ele era cúmplice e sobram-no recordações de uma história que anseia pelo esquecimento.

Antes de mãe, ela era mulher. Sempre quisera ser atriz, o dizia. Porém esse desejo por glamour e espetáculo revelava-se um sonho idiota quando contrastava com a realidade em que ela se agarrava para sobreviver. Sua arte era medíocre e barata; ela vendia prazer a um público que buscava nada mais que auto-satisfação. Não era um ser, era um corpo, vazio, usado pela luxúria dos homens, a primeira no amor próprio deles, a última em sua estima.

Passava o tempo esperando por vida. Eis que ela chega, empurrada pelo vento, em uma noite sem luz e sem lua, em um navio atracado no porto, em um desejo com gosto de sal. Ela se rendeu às promessas e ao mistério trazidos do horizonte pelos braços tatuados daquele homem que a fazia sentir-se, pela primeira vez, humana.

Infelizmente sua sina lhe fora cruel. O que parecia felicidade eterna correu breve, acabando-se com a noite e partindo ao nascer do sol, deixando em seu ventre a lembrança do primeiro e último homem que conseguiu iludi-la perfeitamente.

Ele foi seu único filho; entre os muitos homens de sua vida, o único que lhe pertencia. Motivo esse pelo qual ela cedeu-lhe o pouco amor que em sua alma ainda guardava, o qual resistiu a toda uma vida de angústia e indiferença. Cresceu e se separaram. Hoje ele recebeu sua última notícia.

Morta e abandonada, aberta por um punhal de um homem que veio do mar. Um homem que o mar trouxe de volta. Os braços tatuados que um dia a fizeram ferver em vida agora a trouxeram a morte. Era carne fria e vazia.

Nunca mais havia ouvido falar daquele homem e ela só o contara sua história por achar que ele merecia saber quem era seu pai. Razão estúpida, inútil. Uma promessa, um pênis, um pai, um punhal. Indiferente, e ela sempre soube que o era. Não se pertenciam mais; nunca se pertenceram.

Here comes the flood

Cala-se em prosa, esquece as linhas
No verso calado o olhar sufoca
Toca com a alma, transcende com a carne
e nesse giro, nesse valsar torpe de sentido
o vazio ofusca o pleno.
E o saber não importa, grita seu medo
Não guarda seu caos do mundo, é para o mundo que se explode
Sanidade muda é o segredo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Compre-me um marca passos

Não dá para saber

se o saber se dá ao se ir pelo que já se sabe ou ao ficar-se com o que nunca se vai entender. Não se dá Não se sabe e eu fico ficoeuficosemsabereuficomedoueficoaomedardescubrocoeterasgoemcadapasso interminado eu fico

no meio.

(foto por Jerry Uelsmann, americano que há quase 50 anos cria imagens fantásticas e surreais com o recurso de fotomontagens)