quarta-feira, 18 de março de 2009

Da maneirista

Diz-se que se escreve para registro de sons ou para eternizar histórias. Acontece que logo após invadirmos com letras o papel branco e virgem, desvirtuamos também as primeiras puras intenções. A atitude não é má e sim natural em essência, porque a verdade é que se escreve para completar o que não foi dito. Para transformar as lacunas de silêncio de nossa história engasgada. Partindo do que se sente e não se fala, escreve-se para preencher o branco.

Neste preencher com tinta a expressão é mais livre. O gesto é como despir sem pudor de palavras o branco novo do vestido da noiva pura, e sussurrar em seu ouvido aquilo que ninguém mais podia saber antes do abuso. Dessa forma a história escrita se torna mais crua, mais humana, inesquecível como todas as primeiras vezes.

Não há segredo para a liberdade e a facilidade do ato. Não há forma mais simples de eternizar uma impressão do que começa-la do branco, sem prévias marcas nem intenções. É pressionar a caneta em oportunidades infinitas para criar as cores que quiser a partir do brilho alvo do nada. Escreve-se porque é fácil.

É preciso lembrar que escrever muda primeiras intenções, mas não foge nunca daquela primeira desejada realidade. A tinta que completa o tal branco das idéias tem apenas a missão de revelar a originalidade presa no vazio da fala e na luz do papel. Escreve-se para trazer o real e a si mesmo ao claro, e assim não passar a vida em branco.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quote do óbvio

- Sabe a garota do copo de água?

- Sei.

- Se parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém.

- Em alguém do quadro?

- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos.

- Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.

- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.

- E ela? E a bagunça na vida dela?"

Dialogue de Amelie Poulain et monsieur Dufayel

Rouba-se toque e gosto em cada reprodução, só porque não sobra nada a acrescentar. Eis meu autêntico auto-plágio.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Pelo possível e sem medida

Transgredi, ou foram elas?

Letras que não sabem me evitar

Começa quando o fundo branco se trai e elas me olham, se entrelaçam, acariciam.

E me batem no rosto, pescoço e vertigem

Mas é claro que não dói, eu aguento. Agora sem trema. Eu tremo.

Quentes e cuspidas com direção certa. Há de ficarem em mim.

Aquelas suas letras me abusam.

Sem pudor, sem rodeio. Impulso viril, forte e rígido. – mas doce. Sempre.