quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Diabólica dialética

- Meu bem, o que eu queria hoje era falar-te o absurdo, o usar das palavras. Incomoda-me essa nossa realidade. Não tens medo que um dia consiga explicá-la com a voz e acabes com toda essa filosofia de existencialismos? Mataria Sartre, calaria Jung, deixaria Gregório soltar-se do teto leve, sem o asco e o incômodo kafkaniano que tem o peso de nos criar asas, e sujeira, e fedor? Não seria melhor, ao definir um sólido com um nome, voltar um passo atrás, esquecendo a dialética? Assim o objeto teria mil significados não ditos e a realidade não se explicaria. Poderíamos então, você e eu, continuar com o absurdo, sem culpa e sem mortes. Meu bem, e o que me diz?

- Dá seu último trago, fecha a janela e não demora. Esta bebida cheira a fruta e a cama a cabelo. Por enquanto temos Bessie na vitrola, e eu sou silêncio.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

À minuta

Para mais um começo, era noite, quente e crua. Bares, ruas, sombras secas em luzes nuas. E como qualquer início, foi tão rápido que ao perceber de seus dedos ele já terminava a segunda canção. Sabia que o saxofone correria livre, não era mais preciso cálculo nem atenção. Fizera um acordo cego com o tempo, permaneceria seguramente perdido. Mas, como em qualquer começo previsto, o meio irrompeu o plano. E entre a claridade mecânica de olhares e aplausos, houve quem dispensou a luz.

Sentada, seu cruzar de pernas confundia-se nos laços desfeitos do vestido, este cuidadosamente escolhido. Ela brincava com os dedos nas bordas da taça, surda a qualquer grito do mundo, e, pela rosa murcha em seu colo e os reflexos rápidos de neon que viravam-se nos olhos, ele – somente - notou que, naquela noite, não esperaria sozinho.

A cada sopro descuidado de som pensava sobre quem chegaria para ela. Ora, ele não ansiava nunca por surpresas que o tirassem daquele estado confortável de um-e-só. Quem teria o poder de causar para si todos aqueles laços, e pernas, e luzes no olhar? Invejou o desconhecido por um instante, e sorriu no meio de um arranjo. No instante seguinte, já percebia o tempo. Era noite, era quente e era nova. Talvez para ela seria tudo ao contrário, e começasse naquela espera estranha a abstração doce que ele até então supria pelas durações. E nesse último pensamento o meio já tinha há muito sumido, e, feliz por sentir o fim, tocou suave o desfecho, desafinando na última nota, de propósito. Queria errar o tempo e mostrar para ela onde o eterno se finda. Fora seu mais longo “feliz para sempre”.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Sílaba e saliva

Devido ao meu vício exagerado em lograr concepções comuns do nosso querido carpe diem, confesso que adquiri prazer pelas papas na língua, e venho para resgatar o “dito pelo não dito” da banalidade. Chame de dislexia, subjetividade, falta de sentido, esteja à vontade, ainda não vai chegar nem perto. E a intenção é essa. Há muita sinestesia nas entrelinhas, e o gosto da palavra que se sufoca nunca é amargo. O sentido puro, porém, não sucumbe nessas tentativas medíocres dessa que vos escreve, e para os que o defendem, sem ofuscações, recomendo que o procurem, mas sem perder o que importa, que é o resto. Apresento assim o valsar torpe de sentido que até então era íntimo demais para ser feito em público. Em Afrasismos, aqueles que não quiserem compor sua própria melodia não encontrarão nada além de notas dissonantes. Mas, aos dispostos a dançar, minhas sinceras boas vindas.