quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

À minuta

Para mais um começo, era noite, quente e crua. Bares, ruas, sombras secas em luzes nuas. E como qualquer início, foi tão rápido que ao perceber de seus dedos ele já terminava a segunda canção. Sabia que o saxofone correria livre, não era mais preciso cálculo nem atenção. Fizera um acordo cego com o tempo, permaneceria seguramente perdido. Mas, como em qualquer começo previsto, o meio irrompeu o plano. E entre a claridade mecânica de olhares e aplausos, houve quem dispensou a luz.

Sentada, seu cruzar de pernas confundia-se nos laços desfeitos do vestido, este cuidadosamente escolhido. Ela brincava com os dedos nas bordas da taça, surda a qualquer grito do mundo, e, pela rosa murcha em seu colo e os reflexos rápidos de neon que viravam-se nos olhos, ele – somente - notou que, naquela noite, não esperaria sozinho.

A cada sopro descuidado de som pensava sobre quem chegaria para ela. Ora, ele não ansiava nunca por surpresas que o tirassem daquele estado confortável de um-e-só. Quem teria o poder de causar para si todos aqueles laços, e pernas, e luzes no olhar? Invejou o desconhecido por um instante, e sorriu no meio de um arranjo. No instante seguinte, já percebia o tempo. Era noite, era quente e era nova. Talvez para ela seria tudo ao contrário, e começasse naquela espera estranha a abstração doce que ele até então supria pelas durações. E nesse último pensamento o meio já tinha há muito sumido, e, feliz por sentir o fim, tocou suave o desfecho, desafinando na última nota, de propósito. Queria errar o tempo e mostrar para ela onde o eterno se finda. Fora seu mais longo “feliz para sempre”.

2 comentários:

Pedro Zambarda disse...

O prazer quase divino da harmonia dos sons, dos deleites da vida...

...e a quebra, a nota desafinada, dos erros e defeitos =]

Dialético! Delicado.

Vince Vinnus disse...

afrasismo sem moderação