domingo, 20 de janeiro de 2008

O Plot do acaso

Tenho um problema com as chaves. Isso não renderia um texto ou sequer uma segunda pontuação em qualquer brochura de raciocínio ocupado por aí, mas faço pelo minimalismo como predicado da questão.

Começa com o procurá-las na bolsa e com o movimento neurótico das mãos no escuro. Os dedos tateiam todas aquelas coisas inúteis que carrego simplesmente por achar graça em ter um punhado de objetos que não fazem sentido em conjunto e que, separados, teriam um propósito chato, tal como as demais coisas que já tateei no claro. O som daquilo tem seu próprio enredo, aquela minha parte agora um inseto gigante, com cinco patas, que se enrosca e se debate no breu portátil, de vinil branco e poliéster, e uma bela estampa de cinema na frente.

E então que chega a cara do meu problema. Imagino-me encontrando o chaveiro, coisa que, eu sei, vai acontecer em poucos segundos. Mas o porquê de eu planejar esse encontro nos segundos antes eu nunca sei. O jeito que meus dedos vão tocar a ponta da chave maior, o dedão que irá encontrar-se primeiro com emaranhado de metal, tudo se projeta prazerosamente no cérebro, muito mais veloz do que meu membro que ainda é inseto e que ainda procura. E, quando a mão finalmente volta a ser mão, agarrando por acaso o chaveiro, eu o largo de volta no escuro. Eu começo denovo, só porque o encontro não ocorreu daquele jeito que a mente previu, naqueles segundos perdidos de antes.

Há dias que passo tempo demais para abrir a porta de casa, as chaves denunciaram meu gosto pelo acaso planejado. Mas admitamos, estou longe de ser única. Planejam-se vidas, perguntas espontâneas, respostas inesperadas. Planeja-se amor, planeja-se sexo casual, jeito de morrer. Eu planejo como encontrar minhas chaves, e isso já é meu problema. Não contenho o vício de dramatizar cada estupidez cotidiana, é patético, é fantástico.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sobre o inefável vazio da crônica (e nada mais)

Não se pertenciam mais. A mulher que hoje deu adeus ao mundo é aquela que um dia o trouxe a vida. Morreram junto com ela as verdades e desencantos de um destino feroz do qual ele era cúmplice e sobram-no recordações de uma história que anseia pelo esquecimento.

Antes de mãe, ela era mulher. Sempre quisera ser atriz, o dizia. Porém esse desejo por glamour e espetáculo revelava-se um sonho idiota quando contrastava com a realidade em que ela se agarrava para sobreviver. Sua arte era medíocre e barata; ela vendia prazer a um público que buscava nada mais que auto-satisfação. Não era um ser, era um corpo, vazio, usado pela luxúria dos homens, a primeira no amor próprio deles, a última em sua estima.

Passava o tempo esperando por vida. Eis que ela chega, empurrada pelo vento, em uma noite sem luz e sem lua, em um navio atracado no porto, em um desejo com gosto de sal. Ela se rendeu às promessas e ao mistério trazidos do horizonte pelos braços tatuados daquele homem que a fazia sentir-se, pela primeira vez, humana.

Infelizmente sua sina lhe fora cruel. O que parecia felicidade eterna correu breve, acabando-se com a noite e partindo ao nascer do sol, deixando em seu ventre a lembrança do primeiro e último homem que conseguiu iludi-la perfeitamente.

Ele foi seu único filho; entre os muitos homens de sua vida, o único que lhe pertencia. Motivo esse pelo qual ela cedeu-lhe o pouco amor que em sua alma ainda guardava, o qual resistiu a toda uma vida de angústia e indiferença. Cresceu e se separaram. Hoje ele recebeu sua última notícia.

Morta e abandonada, aberta por um punhal de um homem que veio do mar. Um homem que o mar trouxe de volta. Os braços tatuados que um dia a fizeram ferver em vida agora a trouxeram a morte. Era carne fria e vazia.

Nunca mais havia ouvido falar daquele homem e ela só o contara sua história por achar que ele merecia saber quem era seu pai. Razão estúpida, inútil. Uma promessa, um pênis, um pai, um punhal. Indiferente, e ela sempre soube que o era. Não se pertenciam mais; nunca se pertenceram.

Here comes the flood

Cala-se em prosa, esquece as linhas
No verso calado o olhar sufoca
Toca com a alma, transcende com a carne
e nesse giro, nesse valsar torpe de sentido
o vazio ofusca o pleno.
E o saber não importa, grita seu medo
Não guarda seu caos do mundo, é para o mundo que se explode
Sanidade muda é o segredo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Compre-me um marca passos

Não dá para saber

se o saber se dá ao se ir pelo que já se sabe ou ao ficar-se com o que nunca se vai entender. Não se dá Não se sabe e eu fico ficoeuficosemsabereuficomedoueficoaomedardescubrocoeterasgoemcadapasso interminado eu fico

no meio.

(foto por Jerry Uelsmann, americano que há quase 50 anos cria imagens fantásticas e surreais com o recurso de fotomontagens)