terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sobre o inefável vazio da crônica (e nada mais)

Não se pertenciam mais. A mulher que hoje deu adeus ao mundo é aquela que um dia o trouxe a vida. Morreram junto com ela as verdades e desencantos de um destino feroz do qual ele era cúmplice e sobram-no recordações de uma história que anseia pelo esquecimento.

Antes de mãe, ela era mulher. Sempre quisera ser atriz, o dizia. Porém esse desejo por glamour e espetáculo revelava-se um sonho idiota quando contrastava com a realidade em que ela se agarrava para sobreviver. Sua arte era medíocre e barata; ela vendia prazer a um público que buscava nada mais que auto-satisfação. Não era um ser, era um corpo, vazio, usado pela luxúria dos homens, a primeira no amor próprio deles, a última em sua estima.

Passava o tempo esperando por vida. Eis que ela chega, empurrada pelo vento, em uma noite sem luz e sem lua, em um navio atracado no porto, em um desejo com gosto de sal. Ela se rendeu às promessas e ao mistério trazidos do horizonte pelos braços tatuados daquele homem que a fazia sentir-se, pela primeira vez, humana.

Infelizmente sua sina lhe fora cruel. O que parecia felicidade eterna correu breve, acabando-se com a noite e partindo ao nascer do sol, deixando em seu ventre a lembrança do primeiro e último homem que conseguiu iludi-la perfeitamente.

Ele foi seu único filho; entre os muitos homens de sua vida, o único que lhe pertencia. Motivo esse pelo qual ela cedeu-lhe o pouco amor que em sua alma ainda guardava, o qual resistiu a toda uma vida de angústia e indiferença. Cresceu e se separaram. Hoje ele recebeu sua última notícia.

Morta e abandonada, aberta por um punhal de um homem que veio do mar. Um homem que o mar trouxe de volta. Os braços tatuados que um dia a fizeram ferver em vida agora a trouxeram a morte. Era carne fria e vazia.

Nunca mais havia ouvido falar daquele homem e ela só o contara sua história por achar que ele merecia saber quem era seu pai. Razão estúpida, inútil. Uma promessa, um pênis, um pai, um punhal. Indiferente, e ela sempre soube que o era. Não se pertenciam mais; nunca se pertenceram.

3 comentários:

Vince Vinnus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vince Vinnus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor Tritto disse...

uaauuuuuuuuuuu lobinho